O baobá é uma árvore da flora africana. É do alto de sua copa que observaremos o que se publica em nosso país sobre este vasto e complexo, rico e desconehcido continente. Se esse tema é do seu interesse, galgue esta robusta árvore e venha partilhar esta visão privilegiada.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Novas relações permeadas de velhos preconceitos

Antes de iniciar o post desta semana, gostaria de salientar que por falta de condições materiais, tenho focado nas notícias veiculadas a partir das versões “on line” dos três maiores jornais impressos brasileiros. Todos os jornais analisados estão situados na região sudeste e com um perfil ideológico mais ou menos semelhante. Informo isto em virtude de Lia Laranjeira, uma colega pesquisadora, ter apontado que as notícias das versões “on line” postadas na última análise estavam diferentes da versões impressas. Peço a todos que lerem os textos aqui postados que fiquem a vontade para compará-los, comentá-los e emendá-los quando houver divergência entre a versão analisada – ‘on line’ – e a impressa.

Como apontei no último post, a maioria das notícias sobre a África são oriundas das grandes agências internacionais de notícias. Posso acrescentar ainda, que mesmo em alguns veículos de notícias supostamente mais críticos como o Brasil de Fato e a Carta Capital não consegui obter nenhuma notícia sobre a África no último mês. A notícia mais recente sobre o continente africano no Brasil de Fato foi em 19 de janeiro deste ano . Já na Carta Capital, em minhas pesquisas, não encontrei nenhum artigo sobre a África.

Aqui de cima do baobá, vi que os cerca de vinte artigos publicados – sem contar os que se repetem ipsi literis por serem das mesmas agências e que somam cerca 30% – sobre a África, nos três grandes jornais “on line” na semana passada, podem ser divididos em quatro grandes grupos de notícias. O mais clichê de todos, foi o conjunto de notícias que apresentam a África animal, selvagem ou mesmo “natural”. Dois dos três artigos foram publicado simultaneamente nos três grandes jornais e estão circunscritos ao clichê. Além desse, outro rol de reportagens, que também remetem a uma idéia muito relacionado à África, pode ser denominado crimes desumanos e/ou tragédias. A terceira gama de relatos jornalísticos refere-se aos acontecimentos ocorridos em Moçambique, muito noticiados nas últimas duas semanas . Já o quarto e último grupo de artigos é, de certa forma, uma novidade.

A África animal desta semana foi destaque nas reportagens sobre o chimpanzé, com sua capacidade de desarmar armadilhas; o orangotango, que comia marsmallows e a guerra entre as formigas e os elefantes . Fiquei em dúvida se poderia classificar o anuncio sobre o filme a “Vênus Noir” que concorria no vestival de Veneza como parte deste grupo, mas a palavra aberração no título – mesmo entre aspas – animaliza a personagem tratada na obra cinematográfica, que diga-se de passagem, não foi o filme vencedor. O curioso nestes artigos jornalísticos é – não sei se por perversidade – a indicação das trocas de papéis entre os seres humanos e animais. Afinal Saartjie Baartman, personagem de quem o filme “Vênus Noir” trata, foi tratada como um animal depois que foi levada para a Europa, enquanto o orangotango que foi apresentado no artigo jornalístico parece viver como um humano. Tal inversão me fez lembrar um livro denominado O Brasil e as Colonias Portuguesas, de uma autor chamado Oliveira Martins.

O segundo grupo de artigos deu destaque para os estupros e o naufrágio no Congo, além da divulgação das supostas práticas de exploração de crianças por seus professores em escolas corânicas no Senegal . Digo “supostamente” não para negar a veracidade dos acontecimentos, mas por sentir a falta de uma análise sobre o que significa a mendicância na formação destes pequenos mulçumanos em formação naquele país. Pelo menos a ONU, no caso dos estupros no Congo, assumiu sua parcela da responsabilidade, embora as “barbaridades” tenham sido praticadas por africanos.

Outro bloco de notícias relaciona-se com os acontecimentos em Moçambique. Parece, segundo as agências internacionais, que as manifestações da população está relacionada com a crise de alimentos ao redor do mundo . Principalmente pelos problemas climáticos enfrentados pela Rússia, um dos principais fornecedores mundiais de trigo. Segundo outra notícia, o estado moçambicano reprimiu a manifestação efetuando a prisão de quase 148 pessoas, pelo menos os dirigentes daquele país voltaram atrás e reduziram os preços. As manifestações populares parecem ter sido bem sucedidas, se dermos créditos as informações da BBC veiculadas pelos três jornalões. Entretanto, os jornalistas salientam que alguns governos devem ficar atentos, pois movimentos como os acontecidos em Maputo podem se disseminar por outros países africanos e do oriente médio. Não sei exatamente porque, afinal a maioria dos países ocidentais podem também ser afetados pela escassez de trigo, ou não?

Depois de darmos este pequeno giro sobre os acontecimentos reportados pelos jornalões brasileiros, cabe ressaltar um aspecto novo, noticiado esta semana, ao qual chamo de "novas relações" entre Brasil e a outra margem do Atlântico. Quatro notícias abordaram a relação entre o empresariado brasileiro e o continente africano. No primeiro deles – noticiando 15 bilhões de dólares em investimentos –, publicado no dia 05 do corrente, percebemos quais as intenções do empresariado nacional. Embora as “diferenças culturais, de regime político ou opção religiosa não [inibam] os projetos” dos investidores, a decisão “de uma empresa brasileira foi responsável por uma briga de pedras em um vilarejo no interior do Gabão.” Em uma segunda análise, no dia 06 de setembro, foram abordadas as críticas e a concorrência enfrentadas pelos empreendimentos econômicos de companhias brasileiras. Este artigo tenta estabelecer que o nosso empresariado tem enfrentando uma concorrência desigual da China. Além disso, vem recebendo críticas de instituições locais. Contudo, o artigo insinua que tais críticas devem ser relativisadas por causa dos “projetos de cooperação que o Brasil desenvolve na África.” E não só por isso, mas também por partilhar a mesma língua falada por alguns países africanos, “para os quais o Brasil é uma espécie de ‘irmão maior’, nas palavras do embaixador brasileiro em Moçambique, Antonio de Souza e Silva."

E não pararam por aqui. No dia 08, um artigo sobre a presença em Angola – onde o “Brasil mostra lado 'agressivo' de presença na África” –, servia de exemplo para o que vinha sendo publicado durante a semana. Afinal, é neste país que o empresariado tupiniquim está mais bem representado, embora também seja a nação onde tal presença sofre a maior concorrência. E não por acaso da China. O artigo defende os privilégios do empresariado do Brasil em Angola sob o argumento de que estão presentes a mais tempo naquele país africano. Por fim e para reforçar ainda mais a idéia, foi publicado no dia 09 que “brasileiros se sentem 'em casa' na África portuguesa.” Em tal artigo é mostrada a experiência de brasileiros que têm vivido, há décadas, em países como Angola e Moçambique e como sua adaptação não foi difícil. Segundo os brasileiros entrevistados “viver no exterior se torna mais fácil quando se compartilha com o país a língua e muito da culinária e da cultura.” Além disso a presença brasileira é tão perceptível que é “possível ouvir música sertaneja, forró e, sobretudo, música evangélica com um giro rápido do dial na rádio.” É possível que leitores desavisados possam concluir, ao ler esta série de artigos, que os maiores diários impressos do Brasil tenham diminuído seus preconceitos em relação à África. Talvez ao ler o título “saúde em Niterói tem índices de África e Europa”, acordemos das nossas idílicas esperanças.

Em um primeiro momento, pensamos que está ocorrendo transformações na perspetciva dos antigos órgãos de comunicação. Aparentemente achamos que estamos vemos uma nova abordagem. Mas se olharmos as reportagens sobre a "África selavgem" e a "África extremo oposto da Europa", vemos que esta nova abordagem é, na verdade, uma maquiagem para que os defensores midiáticos de certos grupos empresariais dissimulem os reais interesses matérias daqueles a quem representam; os quais não abrem mão dos velhos preconceitos em relação ao continente africano.

Vale ressaltar um dado interessante. O Estado de São Paulo é o jornal com a imensa maioria das reportagens sobre a África, inclusive com algumas produzidas por sua própria agência de notícias -, seguido pelo O Globo e ficando a Folha de São Paulo como o jornal com menor número de notícias referentes ao tema. As análises divulgadas esta semana sobre o crescente interesse brasileiro nos negócios com a África foram publicadas unicamente pelo Estadão e pel'O Globo.

Pedimos mais uma vez desculpas pelo atraso da postagem. Problemas de natureza informáticas inviabilizaram a publicação do post no último sábado. Como sempre os serviços prestados em nosso país vão de mal a pior. Entretanto temos que ouvir que é na África que as coisas tão muito ruins…

Próxima semana tentaremos cumprir a promessa do prazo. Agora vou descer e descansar um pouco na esteira, ficar aqui em cima da uma canseira.

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